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Quarta-feira

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            Aconteceu semana passada.
            Aula institucional, a típica aula chata com um professor que te faz ter vontade de cometer suicídio. E bem na quarta-feira. Quartas-feiras são o fim do mundo, passam devagar e a maioria das vezes acontece algo que ferra com o seu dia. Meu dia já não estava muito bem. Cheguei à faculdade e não fiz o menor esforço para lembrar o número da sala. Fui subindo as escadas e andando nos corredores esperando a boa vontade de minha memória.

            Por fim, sala 432. Um número difícil de lembrar. Entrei e não me dei conta de que aquele era o dia que eu via o carinha interessante. Coisas ruins sempre superam coisas boas. Concentrei-me em não se lembrar da quarta-feira, talvez até mudasse meu conceito. Não era interessante por causa da barba, nem tinha uma. Não era aquela moto antiga com detalhes em couro que ele vinha estudar, tampouco a voz grossa. Tem cara que consegue ser sexy com voz grossa sem parecer locutor de rádio e o tal do Pedro era desses. Gostava do nome dele, não era nenhuma invenção ou junção, como o meu. Era só Pedro.
            Pedro fazia o mesmo curso que o meu, era um dos mais inteligentes da turma e quando estava em sala nunca se pronunciava. Morria com a dúvida entalada na goela por perguntar, mas não o fazia. Isso me intrigava muito, como pode um cara inteligente não ser chato? Era conveniente, falava com quem queria falar, sem frescura. Quando nos conhecemos, durante uma interação promovida pela professora, tive a oportunidade de bater um papo sem compromisso por um minuto com ele. No final dos sessenta segundos ele só me deu um aperto de mão e abaixou a cabeça ligeiramente como despedida. Não sei o que houve comigo, mas aquilo me deixou em êxtase. Imagino que ele não disse que foi um prazer porque isso seria mentir e no momento seguinte me lembro do trecho de meu livro preferido “Estou sempre dizendo: “Muito prazer em conhecê-lo” para alguém que não tinha nenhum prazer em conhecer. Mas a gente tem que fazer essas coisas para seguir vivendo”. Pedro não seguia vivendo, segundo Holden. Eu também não. Acho um aporrinhamento esse negócio de bom dia, boa noite, bom te ver... Contudo, por mais que eu ache, continuo dizendo, pois se não digo, me consideram pior do que já sou.

            Estrategicamente, fui me sentar no fundo da sala. O útil ao agradável. Livrara-me da agonia dos olhos fundos do professor e estaria perto do Pedro. Não que naquele momento eu já estivesse planejando nosso beijo nos três dias conseguintes nem nada. Era só pra ver no que ia dar. Dessa vez, ignorando a razão — que se aplica somente a mim — resolvi dar uma chance ao ocasional. Pedro era discreto, sério. Quando lhe tinha o humor, sabia fazê-lo de maneira correta, sem parecer idiota. Só me dava conta da presença dele naquele dia porque meus olhos corriam a sala inteira procurando um ponto em que eu pudesse me sentir bem. A sala sempre estava cheia. Tinha um grupo de meninas que riam como hienas de alguma coisa sem graça, o dos que nada queriam, dos fumantes e beberrões e dos que estudavam. Não me metia em nenhum desses grupos. Alguns eram presunçosos demais, irritantes ou somente desinteressantes. E ali na sala só Pedro e eu não fazia parte inteiramente de algum.
            Não era nenhum príncipe, quando queria ser ruim e sarcástico o fazia como ninguém. No final da aula fui falar com ele e dei a desculpa mais esfarrapada do mundo para que pudéssemos nos reunir para estudar, na faculdade mesmo. E assim seguiu... Passávamos horas juntos. Estudávamos e íamos jogar conversa fora. A presença dele era incrível, aquelas do tipo que quando a pessoa vai embora, parece que levou um pedaço de você. Para melhorar a situação, Pedro tinha um jeito próprio de fazer perguntas. Começava com ‘hum’ seguido de um olhar incrivelmente convencido, se inclinava e perguntava dando um sorriso de lado. Aquilo me matava. Demorava uns dez anos procurando um argumento convincente para responder.

            Terceiro dia. Por motivos administrativos, a biblioteca da faculdade estava fora de funcionamento, assim como outros setores. Decidimos então que seria na minha casa. A garoa lá fora trazia uma calmaria sem igual. Pedro chegou e começamos os estudos. A desculpa havia colado muito bem, afinal, ele se preocupava com o fato d’eu estar entendendo ou não e eu correspondia à altura de suas expectativas. Num determinado ponto, não me lembro bem qual, eu só conseguia seguir o movimento dos olhos dele, dos lábios e o tom da sua voz. Ele estava realmente determinado em disfarçar que havia notado, mas não conseguiu muito bem. Podia sentir cada toque individualmente. As mãos firmes na minha cintura, o calor de seu corpo, o carinho no beijo e o arrepio do frio que fazia.
            Hoje, sorrimos um pro outro quando nos vemos em sala e eu ainda dou desculpas esfarrapadas para vê-lo. Pedro aceita como se não entendesse. Ao menos, minhas quartas tem um significado todo diferente agora.

Um comentário:

  1. eu sempre digo que as quartas-feiras são as vilãs da semana... adorei o texto.

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